Descrição
O Antropoceno é um termo da geologia, mas já é frequentemente utilizado nas humanidades para descrever e desafiar a lógica do excepcionalismo humano, que pode ser compreendida como a ideia alienada de que o humano não está profundamente imbrincado no mundo não-humano que o cerca. Diante das mudanças climáticas (a face pública do Antropoceno), o impacto humano produz uma crise planetária que coloca em xeque a nossa forma de entender até mesmo a disciplina da história: ela deixa de focar apenas na trajetória humana (registrada) e passa a considerar o tempo profundo do planeta, antes dos humanos, para entender a dimensão do nosso impacto no presente e no futuro. Neste artigo, utilizo o livro A Terra Inteira e Céu Infinito, de Ruth Ozeki, para ponderar como a narrativa contribui para encontrarmos formas de estar no mundo que vão na contramão da lógica do excepcionalismo humano e que compreendem como indispensável o processo de estabelecer afinidades com humanos(as) que não são da mesma família e com seres e coisas que nem humanas são. O conceito de “afinidade” é, entre outras coisas, uma forma de co-responsabilização pelas narrativas que juntos criamos e pelas normalizações que são feitas a partir dessas histórias sobre como interagir com outros: humanos, seres e “coisas” não-humanas das quais dependemos e que dependem de nós. Pensar em afinidades na literatura pode não resolver o problema, mas pode auxiliar no processo de normalizar formas de viver que têm o potencial de desacelerar a presente crise ambiental.