Descrição
Na cidade de São Caetano de Odivelas, na microrregião do Salgado paraense,
dançam os Bois de Máscaras no período da quadra junina. Uma brincadeira de Boi
com seus próprios termos, tendo sua história relacionada com as dinâmicas sociais
de uma comunidade pesqueira, localizada às margens do rio Mojuim. Os Bois de
Máscaras atualizam-se anualmente. Seus grupos, com mais de oito décadas, exibem-
se com vigor, ao mesmo tempo em que novos grupos surgem. Com repertório musical
próprio, extenso e diverso, as orquestras de Boi entoam sambas e marchas
(marchinhas), enquanto o Boi e os personagens que lhe acompanham dançam pelas
ruas. Em constante expansão, os compositores odivelenses criam novas músicas a
cada período junino. Essas músicas são elementos importantes para a identificação
dos grupos. Na busca de compreender como acontecem os processos de estabilidade
e mudança musical nos Bois de Máscaras, este trabalho se concentrou no repertório
musical do Boi Faceiro. Este, que surgiu em 1937, teve um hiato de mais de cinquenta
anos, sendo resgatado em 1998. O repertório do Faceiro é gerado a partir das
composições de Mestre Benedito Aquino (Bené Careta), Wanelson Aviz, Raimundo
Nonato e Nildo Zeferino. Compreendendo música como um dos subsistemas da
cultura (CHADA, 2006), e estando ela profundamente relacionada com o contexto
sociocultural na qual é produzida, buscou-se identificar como os conteúdos musicais
foram elaborados na criação das músicas, considerando os aspectos do som e os
elementos extramusicais, a fim de identificar a “unidade do pensamento musical”
(NETTL, 2008), o conteúdo (MERRIAM, 1964), para então tentar compreender como
as mudanças foram e são acomodadas. Além das transcrições e análises musicais,
foram realizadas entrevistas semiestruturadas e registros sonoros a partir do trabalho
de campo etnográfico, que aconteceu desde 2018, possibilitando constatar que
contexto sociocultural de São Caetano de Odivelas é definidor desse fazer musical.
Sendo o cruzar dos “mundos musicais” das centenárias bandas de música –
Rodrigues dos Santos e Milicia Odivelense – primordial para a sustentação das
orquestras de Boi, que se expandiram a partir do fomento das escolas de música
dessas bandas. A expansão das orquestras e consequente aumento do volume
sonoro contribuiu para o desaparecimento das letras das composições, que
atualmente são tocadas apenas de formar instrumental. O Boi Faceiro, ao propor um
grupo musical fixo – a Orquestra Show – possibilita a interação cotidiana através dos
ensaios e das performances, o que torna possível a execução de breaks planejados
– as paradinhas – uma marca desse repertório musical. Com experimentações
instrumentais e utilização de fragmentos musicais de outras composições – “música
incidental” –, tem-se a inovação como uma premissa desse Boi, que manipula os
recursos harmônicos e estruturais à maneira de cada compositor, a partir da unidade
do pensamento musical, exibindo uma cultura estável, mas não estática.||In São Caetano de Odivelas, in the Salgado micro-region of Pará, the Boi de Máscaras
dance during the June festivities. A Boiprórpia party in this town has its history related
to the social dynamics of a fishing community, located on the banks of the Mojuim
River. Some groups are more than eight decades old and new groups emerge
annually. With their own extensive and diverse musical repertoire, the Boi orchestras
sing sambas and marches, while the characters dance through the streets. In constant
expansion, the composers of São Caetano de odivelas create new songs every June.
These songs are important elements for the identification of the groups. In the search
to understand how the processes of musical change and permanence in the Bois de
Máscaras take place, this work focused on the repertoire of Boi Faceiro. This group,
which emerged in 1937, had a hiatus of more than fifty years and was rescued in 1998.
The Faceiro repertoire is generated from the compositions of Mestre Benedito Aquino
(Bené Careta), Wanelson Aviz, Raimundo Nonato and Nildo Zeferino. Music is
understood as one of the subsystems of culture (CHADA, 2006). Being deeply related
to the sociocultural context in which it is produced, we sought to identify how the
musical contents were elaborated in the creation of the songs, considering the aspects
of sound and the extramusical elements, in order to identify the "unity of musical
thought" (NETTL, 2008), the content (MERRIAM, 1964), and then try to understand
how the changes were and are accommodated. In addition to the transcriptions and
musical analysis, semi-structured interviews and sound recordings were carried out
from the ethnographic fieldwork, which has taken place since 2018. It is possible to
verify that the sociocultural context of São Caetano de Odivelas defines this musical
performance. The crossing of the "musical worlds" of the centenary music bands -
Rodrigues dos Santos and Milicia Odivelense - is essential for the support of the Boi
orchestras, which expanded from the promotion of the music schools of these bands.
The expansion of the orchestras and the consequent increase in sound volume
contributed to the non-performance of the lyrics of the compositions, currently being
played only instrumentally. Boi Faceiro, by proposing a fixed musical group - the Show
Orchestra - enables daily interaction through rehearsals and performances, which
makes it possible to perform planned breaks - the paradinhas - a hallmark of this
repertoire. With instrumental experimentation and the use of musical fragments from
other compositions - "incidental music" - innovation is a premise of this Boi. It
manipulates harmonic and structural resources in the manner of each composer, from
the unity of musical thought, displaying a stable but not static culture.
