• A Carta de Renato Russo para a Funarte

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Há quase 30 anos Renato Russo partia, mas não sem deixar muitas histórias ainda para contar. Uma delas está preservada no Centro de Documentação da Fundação Nacional de Artes (Cedoc – Funarte). Trata-se de uma carta, escrita em 26 de fevereiro de 1982, por aquele que se tornaria o vocalista da Legião Urbana. Endereçada à Coordenação e ao Setor de Divulgação Cultural da Funarte de Brasília, o texto datilografado é uma candidatura de Renato para uma apresentação solo na sala de espetáculos da instituição.

Àquela altura, a Sala Funarte, como palco para performances, não era uma novidade para Renato. No texto, o roqueiro diz que, em 1981, já havia se apresentado naquele espaço com a banda Aborto Elétrico. Legítimo representante da primeira geração do punk rock brasiliense, esse grupo foi fundado por ele e pelo guitarrista André Pretorious em 1978. Pretorius, aliás, é citado na carta. Renato lamenta que, com a viagem do guitarrista, havia ficado difícil de conseguir não só equipamentos, mas também locais para shows. Pretorius, naquele momento, estava na África servindo o exército.

Renato, no entanto, deixa claro que o problema maior não era a ausência de Pretorius, mas sim um certo preconceito com o tipo de música que faziam: “elétrica, positivamente barulhenta, o que muitos chamam de rock”. É justamente nesse trecho que o cantor cita outras bandas da cena punk rock brasiliense como a Blitx 64, a Plebe Rude, a Fusão e a Banda-69

Essa mesma cena do Distrito Federal, na qual surgiram algumas das bandas que fariam história no B-Rock, aparece em outro momento da carta quando Renato lista os lugares onde ele e diversos outros colegas da Turma costumavam se apresentar. O roqueiro cita, por exemplo, o lendário Cafofo, um boteco que ficava no Setor Comercial da 408 Norte.

No Cafofo havia um porão que, com o aparecimento das primeiras bandas, passou a ser usado para ensaios e pequenos shows de música barulhenta que, de acordo com Renato, era muito bem aceita pelo público jovem. Mas, apesar disso, o cantor, em 1982, mostrava-se decidido – após o que ele classifica de “tremendas dificuldades” – a se voltar para um som mais leve, acústico, sem guitarras elétricas.

Tal desejo coincide com um período solo do cantor pós Aborto Elétrico e pré Legião Urbana. Nessa época, claramente inspirado em Bob Dylan, Renato apresentava-se com o nome de O Trovador Solitário. Por isso, no texto endereçado a Funarte, ele faz questão de frisar que, no line-up para a sua apresentação, deveria haver um “violão ritmo folk”. Mais em sintonia com Dylan impossível.

Em seu currículo anexado à carta, Renato Russo, além de colocar os números de sua Identidade e de seu CIC, diz se chamar Renato Manfredini Júnior. Apresenta-se como professor de inglês, músico amador já com carteira, autor de livro de poesia, dono de alguma experiência teatral e estudante de Comunicação Social com reportagem premiada sobre Sid Vicious, vocalista da banda Sex Pistols. E, para convencer ainda mais a Funarte, ele também anexou ao texto enviado para a instituição uma fita K7 e também as letras de algumas canções, entre elas a de Química que, diretamente do repertório do Aborto Elétrico, virou um dos sucessos do LP Que País É Este? lançado pela Legião Urbana no final de 1987. Para arrematar, assinou em letra de forma o nome artístico hoje inscrito na galeria dos mitos do rock.

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Mais histórias sobre Renato Russo e a Legião Urbana vocês podem ouvir no Estúdio F, programas de rádio produzidos pela Funarte.  Seguem os links:

Cláudio Felicio

Doutor em Letras e Mestre em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Cláudio Felicio é roteirista formado pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro com vasta experiência no mercado audiovisual. É servidor da Funarte desde 2006 e atualmente está lotado no Cedoc, trabalhando na difusão do acervo. Na instituição, atuou como roteirista do Estúdio F, programa de rádio sobre compositores e intérpretes brasileiros. Também escreveu o roteiro e foi o responsável pela pesquisa de imagens do curta-documentário “Dulcina  Atriz e Teatro”, entre outros trabalhos. É ainda Especialista em Figurino e Carnaval pela Universidade Veiga de Almeida e graduando em Cenografia e Indumentária na Unirio

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