– How about her teeth?
Perguntou Sir Alfred Hitchcock ao chefe da maquiagem ao ver que Eva Wilma, que iria fazer um teste para o filme Topázio, tinha um dente, entre o canino e o da frente, um pouquinho recuado. Prótese feita para corrigir o “defeito” e, finalmente, chegou o grande dia em que a atriz seria avaliada pelo Mestre do Suspense. Assim que entrou no set, o cineasta aproximou-se da brasileira, segurou suas mãos geladas e perguntou se ela estava nervosa. Ela disse que sim e, para tranquilizá-la, ele explicou que aquilo era uma brincadeira, que se alguém quisesse fazer algo sério devia ir trabalhar num hospital ou seguir carreira política.
Caso soubesse, entre as razões para Hitchcock acalmar Eva Wilma, ele poderia ter citado o fato de que, naquele momento, viver uma personagem numa história de suspense não era propriamente uma novidade na carreira da atriz. Afinal de contas, em 1968, um ano antes do encontro com o cineasta inglês, ela havia encerrado com imenso sucesso a montagem da peça Black-Out, texto de Frederick Knott, autor também, entre outras coisas, de Disque M para Matar, que em 1954, com Ray Milland, Grace Kelly e Robert Cummings nos principais papéis, havia sido adaptado para o cinema por…Hitchcock.
Encenada no teatro Maison de France primeiramente em São Paulo e depois no Rio de Janeiro, Black-out conta a história do embate entre a cega Suzi e bandidos em busca de uma boneca contendo heroína que, por um mal-entendido, vai parar no apartamento da jovem deficiente visual. Nas montagens americana, francesa e inglesa, o papel de Suzi coube a atrizes do gabarito de Lee Remick, Anne Girardot e Honor Blackman. Já na adaptação cinematográfica de 1967, “Um Clarão nas Trevas”, a personagem valeu a Audrey Hepurn uma indicação ao Oscar.
Apesar de saber sobre a qualidade das atrizes que já haviam dado vida a Suzy no teatro e no cinema, a razão que levou Eva Wilma a aceitar o papel foi a possibilidade de trabalhar sob a batuta de Antunes Filho que, após resistir ao que ele considerava “um simples policial”, foi convencido por John Hebert – produtor da peça e então marido da atriz – a dirigir a peça de Frederick Knott, cujo texto foi traduzido por Millôr Fernandes.
Ao mesmo tempo em que ensaiava para a montagem paulista com os atores Regina Duarte, Ivan de Albuquerque, Geraldo Del Rey e Newton Prado, Eva Wilma fazia o treinamento para simular a deficiência visual no Centro de reabilitação para o livro do cego no Brasil. Lá, com os olhos vendados, aprendeu a comer, vestir-se, locomover-se e até a encher um copo d’água sem derramar uma gota. Tamanho esforço valeu à pena. Eva foi indicada para todos os prêmios mais importantes de São Paulo e do Rio de Janeiro por sua atuação. Embora não tendo vencido nenhum deles, só as indicações foram uma grande vitória, porque, naquele contexto histórico, a classe teatral passou por cima do fato de Black-Out ser uma peça norte-americana e não ficou cega à qualidade do trabalho da atriz.
No Rio de Janeiro, a montagem de Black-Out contou com um elenco diferente da encenação paulistana. Raul Cortez substituiu Ivan de Albuquerque no papel de Skelton, o principal antagonista de Suzi. Depois, Raul foi substituído por Milton Moraes. Djenane Machado entrou no lugar de Regina Duarte. Ivan Cândido no de Stênio Garcia e Rogério Fróes no de Newton Prado. Do elenco original de São Paulo, só Geraldo Del Rey e Eva Wilma permaneceram. Assim mesmo, Geraldo saiu por um tempo para filmar Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha. Cécil Thiré o substituiu até Geraldo retornar ao papel.
Essas e outras curiosidades sobre Black-Out podem ser encontradas nos dossiês de reportagens e de fotografias que existem sobre a peça e sobre Eva Wilma no Centro de Documentação da Funarte (Cedoc). No mesmo acervo, disponível para consulta e fonte de muitas informações para o presente texto, há a biografia da atriz escrita por Edla Van Stleen para a coleção Aplauso da Imprensa Oficial de São Paulo.
Mas para quem ficou curioso e não pode esperar uma visita ao Cedoc para saber o resultado do teste que Eva Wilma fez com Hitchcock, chega de suspense. Ela não passou. O papel ficou com a atriz alemã Karin Dor. Se serve de consolo para os fãs de Vivinha, Topázio é um dos poucos filmes do cineasta malsucedidos.
Cláudio Felicio
Doutor em Letras e Mestre em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Cláudio Felicio é roteirista formado pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro com vasta experiência no mercado audiovisual. É servidor da Funarte desde 2006 e atualmente está lotado no Cedoc, trabalhando na difusão do acervo. Na instituição, atuou como roteirista do Estúdio F, programa de rádio sobre compositores e intérpretes brasileiros. Também escreveu o roteiro e foi o responsável pela pesquisa de imagens do curta-documentário “Dulcina Atriz e Teatro”, entre outros trabalhos. É ainda Especialista em Figurino e Carnaval pela Universidade Veiga de Almeida e graduando em Cenografia e Indumentária na Unirio