Descrição
Como se sabe, numerosas são as marcas da literatura e da cultura medievais no Brasil, muito particularmente na Região Nordeste. Aqui, em festividades e na literatura de cordel, temas e formas do medievo são constantemente atualizados, bem como em obras de autores como João Cabral de Melo Neto e Ariano Suassuna, para só citarmos dois dos nossos escritores exponenciais. Como forma de singelamente homenagear a este último, recentemente falecido, pretendo retomar algumas considerações em torno do aproveitamento de romances por ele realizado de forma recorrente. Poemas épico-líricos breves, foram documentados, na Península Ibérica, tendo por base a tradição oral, em recolhas feitas a partir dos séculos XIV-XV e, trazidos pelos colonizadores, perpetuados por nossos cantadores que, como nas origens medievas, os aliaram à música. Dentre os numerosos romances revitalizados por Suassuna em suas obras interessa-me sobretudo “O castigo da soberba”, que aparece nas epígrafes do famoso Auto da Compadecida, sendo, pois, uma das suas fontes manifestas. Recriado na parte principal da peça, quando Maria demonstra a sua compaixão pelas fraquezas humanas, filia-se a uma longa tradição de milagres marianos documentados no medievo e que, colocados em confronto, nos permitem observar inclusive aspectos depreciadores do gênero feminino no tocante ao sagrado, perpetrados no correr dos tempos.